domingo, 27 de abril de 2008


Pesquisa da UNESP-Franca estuda o período da"Belle Époque" nas cidades de Araraquara, Ribeirão Preto e Franca



Em alguns períodos da História, interior paulista foi a vanguarda cultural do Estado.


Para muita gente, o interior, no sentido de região contraposta às capitais, sempre foi lugar de atraso, habitat de caipiras e jecas, onde a modernidade passava longe. Nada mais falso. Pelo menos em alguns períodos, o interior, particularmente o do Estado de São Paulo, se antecipou e chegou a ser mais moderno do que a capital.
É o que demonstra uma equipe de 10 pesquisadores da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Unesp (FDHSS), campus de Franca, coordenada pelo historiador José Evaldo de Mello Doin, numa pesquisa desenvolvida ao longo de quatro anos. O trabalho destrinchou o que eles batizaram de Belle Époque caipira - período que coincide com o da República Velha (1889-1930).
Nele, os pesquisadores mostram, por exemplo, que o Teatro Santa Clara, de Franca, fundado em 1874, é anterior ao Teatro Municipal de São Paulo. E mais: que ele foi idealizado na prancheta do já então consagrado Arquiteto Ramos de Azevedo. Assim como também revelam que o cinematógrafo, nosso cinema, chegou na então longínqua Araraquara em 1902, antes de muitas capitais brasileira. Outro exemplo é o Teatro Carlos Gomes, construído em 1897 na cidade de Ribeirão Preto e considerado, na época, o segundo maior teatro do País, superado apenas pelo Teatro Amazonas. Revelam ainda que a Belle Époque caipira foi um período de efervescência cultural, política e comercial, de experimentações, novidades, barbárie, conflitos e desenraizamento.
Negação cultural
Nas dissertações e teses, que serviram de escopo para o livro, os pesquisadores mostram que a elite endinheirada do interior, na ânsia de se sentir reconhecida como civilizada, promoveu uma revolução cultural que transitou entre a barbárie e a civilização. A arquitetura das ricas cidades cafeeiras, como Ribeirão Preto, Araraquara, Franca e Batatais, é um exemplo. A riqueza obtida com a cultura do café, aliada à influência dos contatos cada vez mais freqüentes com o mundo urbano e industrial europeu, impeliram essa elite para a reinterpretação dos seus espaços, que foi recriada em cima da destruição de tudo o que pudesse remeter ao passado colonial, com seu casario feito de taipa.
O modelo para a reinvenção da arquitetura das cidades cafeeiras foi a capital do século XIX, a Paris, demolida e reconstruída pelo então prefeito de Sena, o barão Georges-Eugène Haussmann. "Durante o reinado de Napoleão III, Haussmann tentou apagar os vestígios do período medieval que existiam em Paris, construindo pontes, praças, jardins, estações de trens e os famosos boulevards", explica Doin. A elite do interior paulista fez o mesmo. "E para isso se apropriou - dentro das suas possibilidades - dos conceitos que Haussmann usou para redesenhar a capital francesa: linhas retas, ruas terminando num ponto de mira, e "quarteirões" triangulares", acrescenta o pesquisador.
O Palácio Rio Branco de Ribeirão Preto, onde fica a Prefeitura, é um exemplo. "Sua construção foi calcada na arquitetura da Ópera Garnier, que se destaca por suas colunas de estilo dórico. Outra referência é o atual bairro Cidade Nova, de Araraquara, que ainda mantém "quarteirões" triangulares. As marcas da concepção racionalista de Haussmann também podem ser vistas no campo, como os geométricos jardins da Fazenda Monte Alegre, do coronel Francisco Schimidt.
Barbárie e civilização
A modernização encabeçada pela elite também serviu para ocultar a exclusão social e para reafirmar seus interesses. A praça Passeio Público de Araraquara, por exemplo, foi transformada em um boulevard para ajudar a apagar da memória popular um linchamento ocorrido no local, que envolvia um coronel da cidade. A arquitetura destas cidades também revela a fusão do interesse público com o privado. O cafeicultor Bento de Abreu Sampaio Vidal , por exemplo, construiu diversas obras de utilidade pública em Araraquara, como a Santa Casa e a Maternidade. Em troca, porém, exigiu impostos mais baratos para o setor cafeeiro. As contrução, de utilidade pública, também era uma forma de criar infra-estrutura para atender os imigrantes que chegavam para trabalhar nas fazendas.
Mais do que mera curiosidade histórica, a importância do trabalho dos pesquisadores da UNESP, está no fato de lançar luz sobre um território até hoje negligenciado pelo historiografia oficial. Pesquisas sobre a influência das reformas realizadas em Paris pelo barão Haussmann nas grandes cidades brasileiras não faltam. Todo mundo conhece as reformas de Pereira Passos e Rodrigues Alves, no Rio de Janeiro, para citar alguns exemplos. Poucos historiadores, entretanto, acharam que avalia a pena pesquisar a influência da Belle Époque em cidades como Araraquara, Ribeirão Preto e Franca. O trabalho dos pesquisadores da UNESP não só preencheu esta lacuna da historiografia brasileira como também serviu para reunir um acervo de 854 fotos, que servirão para montar um museu iconográfico sobre o tema.

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