Saiba o que fiquei sabendo para que, a despeito de tudo, você continue a amar a democracia
A democracia , eu sempre amei. Mas, de repente, relendo uma fábula antiga, tive iluminação zen: meu saber afetivo transformou-se em saber filosófico; sei agora as razões por que amo a democracia. E, nesse momento em que o transbordamento fecal de Brasília e a sua fedentina fazem com que os de memória curta comecem a ter saudades do regime militar, acho importante que você, leitor, saiba o que fiquei sabendo para que, a despeito de tudo, você continue a amar a democracia.
Assim, passo a contar-lhe a mesma história que eu contava à minha neta no momento da iluminação:
"Havia, outrora, num país distante, um rei que amava os queijos acima de quaisquer outros prazeres. O seu amor pelos queijos era tão grande que ele mandou vir, de todas as partes do mundo, os mais renomados especialistas em queijo, aos quais foram oferecidos recursos não só para continuar a fabricação dos queijos já conhecidos, como para que se dedicassem à pesquisa de novos queijos, para assim alargar as fronteiras da ciência, da técnica e da gula.
Ficaram famosos os queijos fabricados com leite de baleia e leite de unicórnio, estes últimos procuradíssimos pelas suas virtudes afrodisíacas. O palácio do rei era um enorme depósito de queijos de todas as qualidades.
O país tornou-se famoso e enriqueceu com a exportação de queijos. O seu cheiro atravessava os mares. Universidades foram criadas com o objetivo de desenvolver a ciência dos queijos. Houve mesmo uma escola teológica que concluiu que o santo sacramento da eucaristia não foi primeiro celebrado com pão e vinho, mas com queijo e vinho.
Aconteceu, entretanto, que, além do rei e do povo, havia outros seres no reino que também gostavam de queijo: os ratos. Atraídos pelo cheiro que saía do palácio, mudaram-se para lá aos milhares e passaram, imediatamente, a banquetear-se com os queijos reais.
Os ratos comiam e se multiplicavam. Tomaram todos os lugares: armários, gavetas, canastras, camas, sofás, cozinha, cofres e até mesmo a barba do rei. O rei passou a ser morada de ratos.
Mas o pior de tudo era que os ratos tinham de expelir por uma extremidade o que haviam engolido pela outra e, à medida que andavam, espalhavam pelo palácio um rastro de minúsculos cocozinhos, durinhos e malcheirosos. Furioso, o rei chamou os seus ministros e perguntou-lhes: "Que fazer para nos livrarmos dos ratos?" Eles responderam: "É fácil, majestade. Basta trazer os gatos".
O rei ficou felicíssimo com idéia tão brilhante e mandou trazer uma centena de gatos para dar cabo dos ratos.
Os ratos, ao verem os gatos, fugiram espavoridos. Foram-se os ratos, ficaram os gatos, que encheram o palácio. À semelhança dos ratos, os gatos comiam tudo o que viam e, compelidos pelas mesmas exigências fisiológicas que moviam os roedores, cobriram os brilhantes pisos do palácio com seus cocôs.
Furibundo, o rei chamou os seus ministros e perguntou-lhes o que fazer para se livrarem dos gatos. E eles responderam: "Fácil, majestade. Basta trazer os cachorros". Vieram cachorros de todos os tipos e tamanhos. Os gatos, ao verem os cachorros, fugiram espavoridos. Foram-se os gatos, ficaram os cachorros, que encheram o palácio. E a história se repetiu. Ao final, havia cocô de cachorro por todo o palácio. Apoplético, o rei chamou os seus ministros e perguntou-lhes: "Que fazer para nos livrarmos dos cachorros?" E eles responderam: "É fácil, majestade. Basta trazer os leões".
Vieram os leões com suas jubas e urros. Os cachorros, ao os verem chegar, fugiram em desabalada carreira. Foram-se os cachorros, ficaram os leões. Mas os leões não só comiam cem vezes mais, como defecavam cem vezes mais que os camundongos. O Tesouro real entrou em crise. O dinheiro não chegava para pagar a carne que os leões comiam. E para pagar os catadores de cocô, que ameaçaram entrar em greve.
Desesperado, o rei chamou os seus ministros e perguntou o que fazer para que se livrassem dos leões. E eles responderam: "Basta trazer os elefantes".
Foram-se os leões, ficaram os elefantes. Enormes, eles comiam montanhas e defecavam montanhas. A fedentina encheu o reino e atravessou os mares. Em depressão, o rei chamou seus ministros e perguntou, com voz sumida: "Que fazer para nos livrarmos dos elefantes?'
Os ministros lembraram-se, então, de que os elefantes, que nada temem, estremecem de medo ao ver um rato. E responderam, em coro: "É fácil, majestade. Basta trazer os ratos!" E assim foi feito. Voltaram os ratos, foram-se os elefantes. E o rei e todos os habitantes do palácio passaram sorridentemente a conviver com os ratos e seu cocô."
O dia chegará em que minha neta terá crescido. Não mais lhe contarei histórias. Ela aprenderá sobre a política. Quererá visitar o Congresso Nacional, símbolo da democracia. Notará, espantada, que os prédios estão cheios de cocô de ratos. Me dirá, espantada: "Vovô, deve haver muitos ratos por aqui!" Eu responderei: "Sim, muitos". E ela me perguntará: "Por que não trazem os gatos para acabar com os ratos?" Então eu lhe contarei de novo a história e direi: "Aprenda a grande lição da democracia: é preferível cocô de rato ao de elefante."
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